Especialidades na fisioterapia: aspectos legais

Não há entendimento unívoco no Serviço Público sobre o que caracteriza o profissional como especialista e a pluralidade de visões dificulta a compreensão do paciente para identificá-lo nesta qualidade. O que talvez seja de senso comum é o conceito aplicável de quem se dedica com especial cuidado ou exclusivamente a certo estudo ou ramo de sua profissão.

Questiona-se a validade da pós-graduação lato sensu, ainda que o Ministério da Educação não endosse, como legitimador da condição profissional de especialista, a considerar que representa a obtenção de grau acadêmico, mais teórico que prático, ou seja, análogo ao modelo de bacharelado. No intuito de associar uma coisa a outra, como modalidade de educação em serviço o MEC criou as Residências Multiprofissionais, que abrangem as seguintes profissões da área da saúde: Biomedicina, Ciências Biológicas, Educação Física, Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Medicina Veterinária, Nutrição, Odontologia, Psicologia, Serviço Social e Terapia Ocupacional, nos termos da Resolução CNS nº 287/1998.

Na criação dos Conselhos de Medicina, o art. 13 da Lei 3268/57 estabeleceu estreita relação com a Associação Médica Brasileira, condicionando o exercício da profissão em qualquer de suas especialidades ao prévio registro de seus títulos, diplomas, certificados ou cartas no Ministério da Educação e Cultura, o que não se reproduziu quando do surgimento do Sistema COFFITO-CREFITO (1975), apesar da intenção em fazê-lo através de Resoluções.

O Conselho Federal de Medicina (2023) entende que o médico só pode divulgar ser especialista por meio de uma prova de títulos e habilidades das sociedades de especialidades filiadas à Associação Médica Brasileira ou por residência médica reconhecida pela Comissão Nacional de Residência Médica. O artigo 1-§3 da Lei 6932/81 não corrobora a primeira condicionante, apesar da pertinência temática com a Lei 3268/57, conforme anteriormente exposto, uma vez que não consigna expressamente ser aquela a única modalidade de certificação das especialidades médicas no Brasil, logo, não há porque restringir à alternativa em respeito ao princípio da legalidade, esculpido na Constituição Federal vigente no seu artigo 5-II. 

Na Fisioterapia, foram criadas as especialidades, com registros inicialmente regulamentados no Conselho Regional pela Resolução COFFITO 377/10, a qual dispõe que o Conselho Federal poderá estabelecer convênio com entidades associativas de caráter nacional da área para a realização do exame de conhecimento e prova de títulos, respectivamente, questões de múltipla escolha, dissertativas e análise documental, que possui como objetivo verificar o saber do profissional na especialidade por ele requerida, como acontece na Medicina. Em 2025, a Resolução COFFITO 627 revogou a de número 377, acrescentando como formalidade necessária, para além dos requisitos já mencionados, a avaliação da experiência profissional e residência uniprofissional ou multiprofissional reconhecida e chancelada pela instituição autora da norma em questão para que um fisioterapeuta divulgue atuar como especialista em especialidade reconhecida pelo Conselho.

Se o fisioterapeuta divulgar e declarar possuir título especialista profissional, o que o Conselho distingue de titulação acadêmica, que não atenda às regulamentações específicas editadas pelo Conselho Federal de Fisioterapia estará sujeito à disciplina do art. 30-II do Código de Ética da Fisioterapia e eventual aplicação de penalidade nos termos do art. 17 da Lei 6316/75. O rito previsto pelo COFFITO como única alternativa da designação de especialista não encontra amparo legal para que seja por ele exigido, até porque a educação universitária foi a qualificação acadêmica e laboral que a lei definiu para o livre exercício da profissão, respectivamente, artigo 2 do Decreto-lei 938/1969 e artigo 12 da Lei 6316/1975.

Os trâmites burocráticos para que a disposição normativa ora questionadas seja juridicamente coerente já está em curso na medicina, a qual surgiu através do cadastro nacional de especialistas instituído pelo art. 1-§5 da Lei 6932/81, regulamentado pelo Decreto 8516/15, procedimento este previsto no art. 84-IV da Constituição Federal de 1988, ainda assim contestada judicialmente na ação direta de inconstitucionalidade nº 7761. Atualmente, existe uma plataforma do Ministério da Saúde (2025) dedicada a reunir e organizar, por enquanto, apenas informações sobre os médicos especialistas que atuam no Sistema Único de Saúde e em outros serviços de saúde no Brasil, com o objetivo de saber a quantidade de especialistas, onde estão localizados, em quais estabelecimentos trabalham, subsidiar a criação de políticas públicas de saúde, como a formação de novos profissionais, a oferta de vagas de especialização e o provimento de especialistas para as regiões que mais precisam, além da população poder acessar as informações disponíveis e encontrar quem atue mais próximo à sua casa.

O projeto visa a alcançar outras profissões da saúde, como já é possível ver o nome delas em lista suspensa como opção ainda não aplicável aguardando inclusão a partir de parcerias com conselhos e entidades profissionais, mas o conceito sobre o que é um especialista ainda não é consensual. Como definição da palavra na língua portuguesa, o dicionário Michaelis (2025) diz que é o indivíduo que se especializou em determinado ramo do conhecimento do qual geralmente decorre o exercício de sua prática profissional; de acordo com uma manifestação do Ministério da Educação (2025), a pós-graduação em nível de especialização é, de fato, um termo autodeclarativo; segundo conselhos de classe, tal como o de medicina (2018) e fisioterapia, é quem passou por um processo próprio de avaliação, ou seja, não uniforme para todas as profissões, embora o registro de qualificação de especialista (RQE) já seja nome adotado em ambas instituições. 

Em situação análoga, a OAB e o Conselho Federal de Contabilidade instituíram o exame de suficiência, um reteste estabelecido e mantido até hoje em obediência à hierarquia das normas, ou seja, regulamentado por lei, respectivamente, art.8-IV da Lei 8906/94 e art. 12 do DL 9295/46, e não por Resoluções. Assim, no exercício da função normativa, o COFFITO não se afasta dos seus objetivos institucionais ao disponibilizar o registro de especialidade condicionado à prova, mas não é razoável restringir o conceito de especialista como uma obrigação não prevista em lei, no sentido estrito. O fisioterapeuta pós-graduado, ou seja, submetido ao processo acadêmico formal para a obtenção de título, adquiri conhecimento especializado, logo, também é digno de se intitular especialista, sem a necessidade de ser novamente avaliado ou penalizado por isso, visto que a educação superior não é de  competência do Conselho Federal de Fisioterapia, a considerar o rol taxativo de suas atribuições descrito no art. 5 da Lei 6316/75.

Esta é uma produção literária independente, desvinculada da função que o autor desempenha no serviço público e do entendimento da respectiva Entidade sobre a matéria.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 25 set. 2025.

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